Era uma quinta-feira de manhã, estava terminando uma reunião no antigo estágio quando chegou um e-mail da Unicamp avisando que as aulas estavam suspensas por duas semanas a partir do dia seguinte. Comentei sobre isso no almoço com a minha chefe e o dono da empresa falou que ainda veríamos como seriam os próximos dias. Voltei para Unicamp naquela tarde, tomei um sorvete com uns amigos e fui para casa. Sexta fui trabalhar normal, encontrei algumas amigas que não via há meses e falamos "até daqui duas semanas" — você lembra do último dia em que não sentiu medo desse vírus? Do último dia que falou "até semana que vem?" Do último dia que não usou máscara e nem se banhou de álcool em gel? Esse filme passa direto na minha cabeça.
A partir de então tem sido longos meses solitários para o meu processo criativo e o vazio no tempo me fez olhar para trás. Em meio meses parada, sem poder trabalhar como antes, comecei a voltar para projetos e trabalhos anteriores, analisá-los, criticá-los, buscando entender como fiz aquilo. Com o tempo e muitas páginas dos meus cadernos, comecei a compreender melhor o meu processo criativo.
Entendi que ele é contínuo, que se retroalimenta e que não existe um fim, mesmo que aquele projeto termine — percebi que um me leva ao outro, que consigo ver de onde vem cada parte. Isso é um pouco doido pra mim porque nunca tinha pensado na intencionalidade da minha criatividade — ela sempre esteve ali, eu só não parei para vê-la.
Veja bem, ser artista nunca foi uma questão para mim, eu sabia que isso iria acontecer em algum momento — passei o colégio todo ansiando pelas aulas de artes, gostava de conhecer artistas e sempre me enfiava em livros sobre o assunto. Também sempre fui incentivada a isso. Ser artista sempre fez sentido para mim.
O problema — se podemos assim dizer — era entender como ser artista, o que eu crio e como chego de um lugar até o outro. Com o tempo e a prática, fui entendendo que inspiração é muito mais uma questão de estudo e análise do que algo que cai dos céus. A questão era (e em momentos de crise é): como que tudo isso acontece? Existe um caminho certo? Como sei que estou nele?
A resposta — que ainda estou formulando — é que cada uma das minhas experiência vai moldando o caminho, me fazendo descobrir ferramentas, métodos, referências e que, ao unir um ao outro, o meu processo criativo se (re)constrói.
Ele existe pelas conversas que tenho, pelas músicas que danço, pelas séries que assisto, pelos livros que leio, pelas misturas de tintas que faço, pelas imagens que escolho para a minha colagem, pelas árvores que fotografo, pelas receitas que cozinho, pela maquiagem que tento fazer. É uma mistura de várias coisas que me fazem perceber que estou viva.
E como que tudo isso virou o que você está lendo aqui? É um desespero de colocar pra fora e ver se faz sentido pra mais alguém, de deixar de lado a ideia de que o processo criativo é algo solitário — mesmo que você não esteja criando em grupo, algo que eu gosto muito de fazer.
Esse é o projeto "em processo" que existe nessa newsletter e em podcast, ambos quinzenais. Por meses tentei criar esses diálogos com o algoritmo daquela rede, mas o processo — com o perdão da repetição da palavra — ficou de lado porque eu estava me preocupando com as coisas erradas. Nesse momento de vida, de mundo e de criação preciso de um espaço que respeite mais esse tempo e que me permita olhar com calma.
Nessa newsletter você vai receber algumas inquietações minhas que podem ser suas, vamos construir essa troca e entender como os nossos processos criativos funcionam. A conversa não termina aqui, então sinta-se mais do que convidado a puxar uma cadeira e me contar como que tá sendo do lado daí.
No podcast você vai ouvir e conhecer diferentes artistas que vão contar sobre seus trabalhos, como funcionam e o que é criar para eles. Nas próximas semanas, nossas conversas rodam envolta da videodança, um encontro entre audiovisual e dança, que pesquiso e produzo desde 2019.
Ah e caso você não me conheça, eu sou a Bea. Sou comunicadora e artista visual, trabalho com fotografia e audiovisual para artes corporais, conto histórias por imagens e palavras, compro mais livros do que cabem na minha estante e assisto mais séries do que deveria.
Antes da pandemia, eu quase não ficava em casa. Se precisava estudar, trabalhar, escrever, criar, pesquisar, tudo isso era feito na biblioteca da universidade ou na produtora que trabalhava. Eu tinha um pequena escrivaninha no meu quarto, mas que servia mais de apoio para bagunça do que para qualquer uma dessas atividades.
Comecei a usá-la de verdade em março de 2020 e era péssima. Pequena demais, baixa demais, não cabia tudo que eu queria e não gostava de trabalhar nela. Mas também odiava — ainda odeio — levar o trabalho para a cama. Já era ruim o suficiente que o ambiente do meu descanso agora era o espaço de qualquer coisa que quisesse fazer.
Até que em janeiro eu montei a minha atual mesa — na qual estou nesse momento. Montei com a ajuda dos meus pais e de uma amiga minha, Jéssica, arquiteta e que me ajudou a pensar a melhor forma de montá-la para as minhas necessidades e o espaço que tenho. Agora essa mesa grande, de frente para a minha janela, é forrada de cadernos, canetas sem tinta, desenhos e post-its, com espaço para o computador e os livros. E aqui eu passo a maior parte do meu dia, vendo coisas incríveis através da tela e experimentando outras no papel.
A minha criatividade, o repertório que construo, as experimentações que faço, têm acontecido nessa mesa. Quando vejo algo legal, quero que mais pessoas vejam — o ditado diz: dica boa é dica compartilhada. Essa seção é uma lista de coisas legais para você ver dentro e fora da internet, coisas que me inspiram, me deixam feliz ou inquieta. da minha mesa para a sua, a fim de ser um sopro de novidades por aí.
Para essa primeira edição temos:
essa newsletter é o resultado do curso de escrita da Aline Valek. Conheci o trabalho da Aline pelo seu podcast "Bobagens Imperdíveis" e a partir de então qualquer coisa que ela colocasse no mundo, lá estava eu para ler, ouvir e aprender. Aline é escritora, ilustradora e podcaster e tudo que ela faz eu recomendo para todo mundo.
eu sou uma pessoa do papel — tudo tem que passar pelo papel antes de virar algo de fato: receitas de bolo, ideias de projetos, textos, artes gráficas, cronogramas e orçamentos. Também sou uma colecionadora de cadernos, eles são os registros da minha vida e cada um é escolhido com carinho — ou então é um presente, inclusive, é um ótimo presente para mim. Esse ano encomendei um caderno lindíssimo com a Mari do @pontofluido — ela faz tudo sozinha, desde costurar as páginas, criar as capas e entrega em Campinas, Vila Prudente e pelo Correios. Você pode personalizar tudo, é só mandar uma mensagem pra ela!
uma das coisas mais legais que fiz esse ano foi o podcast Aromas de Afeto, com os meus amigos Bruno e Giovana. Contamos histórias de pessoas sem histórias — narrativas comuns e cotidianas que poderiam ser minhas e suas. Cada episódio é uma história de amor, amizade, perda, de família, celebrando os pequenos acontecimentos que afetam a nossa vida.
Ao mesmo tempo que você recebe esses textos no seu e-mail, eu libero um episódio novo do podcast "em processo" — é um combo com batata frita.
O episódio de hoje é curtinho e é uma apresentação do projeto, então separa um tempinho aí pra ouvir e compartilhar com os amigos.
A gente tem um encontro marcado daqui duas semanas para continuar conversando sobre as inquietações de criar. E antes de você ir embora, me conta como tá sendo começar, continuar ou até desistir de criar por aí nesses tempos loucos.
Para conhecer mais do que eu faço é só clicar aqui — você vai achar meu site, meu behance e outros projetos pela internet.
Um beijo e até breve!
Que maravilha de textooo!!! Dá um sopro de vida e vontade na gente
Apaixonada por você tal qual vc é apaixonada pela Aline Valek <3
Ta tudo lindo, ansiosa para semana que veeeeeeeeeeeeeem