34. qual estilo você está buscando?
olhei para esse armário e entendi que nada ali me fazia sentido
Ano passado fui madrinha de casamento. Juro, com todo o meu coração, que, por mais que seja um momento importante na vida de alguém, a primeira coisa que penso quando esse convite vem é “ai, vou ter que procurar vestido.”.
Algumas crises são desencadeadas ao pensar em procurar alguns tipos de roupas — vestido de festa, então! Se for em uma loja mais tradicional, a numeração não passa do G. Se for outra com mais tamanhos, os estilos não me agradam. Se por algum milagre, encontro uma que é legal e que tem variedade de tamanho, o preço tá fora do meu bolso.
Ir às compras com outras pessoas, com corpos diferentes do meu, também é um estresse. Ou é um tamanho que “se encolher a barriga, até vai”. “Ah, mas esse ficou tão bom na fulana e ela tem a sua altura”. “É, ficou muito decote, né”. E pior do que as vozes externas, são as vozes internas que sabem exatamente como nos machucar.
Acho que eu queria só poder viver uma daquelas cenas de filme, sabe? Aquelas em que as personagens experimentam vários vestidos lindos, dão risadas e posam para o espelho.
Com muita terapia, essas crises passam e dão espaço para outras, anunciadas pela vendedora — qual o estilo que você está buscando? Aí começo a falar o que todas elas odeiam ouvir: não quero nada com babado e nem brilho. Não, nada de pedraria. Ah, não, esse tule, não. Tom pastel também não, prefiro tons mais fechados.
Até que vem a cereja do bolo: o sapato? Ah, eu vou usar um tênis.
Nas vezes em que fui madrinha de casamento, meu único pedido é poder usar tênis. Tá na moda casamento no campo, cerimônia na grama, eu não sou capaz de usar um salto. Todas as noivas deixaram, obrigada, amigas! Depois da reação das vendedoras, vem a reação de pessoas que não me conhecem — outras madrinhas, convidados e até a maquiadora. São olhares e comentários que, em outro momento, podiam me desestabilizar, mas se cheguei ali com o look inteiro montado, é porque eu já estava segura do que pensava e do que queria vestir.
E para fechar, tem o momento com a maquiadora. Eu malemal uso maquiagem carregada. As pessoas até pensam que uso, porque estou sempre de batom. Mas, na maioria das vezes, é só isso que estou usando — nada de base, corretivo, contorno. O blush e o iluminador uso com muita moderação. Então, não me sinto confortável usando vários produtos na cara e isso é um embate com a profissional. Tento negociar o meio termo para nós duas, em algum momento chegamos no acordo, mas, já que não carreguei na base, ela carrega no julgamento. Paciência.
Montar um look de festa do jeitinho que eu quero, usando os acessórios que me agradam e com tênis, é o ápice do que entendo de construção de estilo. É o ápice de entender quais os elementos da moda fazem sentido para a minha vida, quais as escolhas que demonstram quem eu sou, seja a cor, a textura, a maquiagem, os acessórios — unir esses elementos é uma forma de comunicar para o mundo quem eu sou. Essa construção é feita daquilo que vemos em nós, de como nos vemos a partir do olhar do outro e daquilo que vemos ao nosso redor no mundo — sabe aquela pasta do Pinterest que você organiza há anos? Vai me dizer que seu guarda-roupa não é um espelho dessa pasta?
Quem me vê hoje, com minhas roupas coloridas, combinando quatro ou cinco cores em um dia, com bolsas e brincos grandes, usando batom colorido, talvez não saiba que até pouco tempo o meu armário só tinha peças pretas, cinzas e o mais básica possível. Esse armário foi resultado de quase 20 anos ouvindo que eu tinha ser discreta, ponderada, não chamar atenção, não dar problema. Também tinha que ser feminina, afinal é o que os meninos gostam, mas sem mostrar muito, porque eles gostam de uma menina comportada. Nada espalhafatoso, mas que ainda chame atenção.
No fim de 2021, quase fim de pandemia, com rompimentos e mudanças de vida, olhei para esse armário e entendi que nada ali me fazia sentido — com um pouco de psicanálise, diria que nunca fez de fato — e senti uma necessidade absurda de mudar isso. Troquei as calças que me apertavam e me fazia me sentir mal com meu corpo por aquelas que de fato me serviam, me eram confortáveis e faziam sentido para um dia a dia tão dinâmico, de idas e vindas. Me arrisquei nas blusas coloridas, nas camisas de botão, nas modelagens diferentes e que deixavam a minha imagem bem marcante. Tenho poucos vestidos, saias menos ainda — nunca sentei que nem menina, então decido por ter poucos, apenas os que eu gostei de fato. Nunca mais usei um sapato desconfortável.
A única coisa que permaneceu, desde quando eu tinha o armário cinza, foi o batom vermelho. Esse eu nunca tirei, mesmo com todos os comentários que já escutei.
Ainda tem muita peça que não tenho coragem de vestir. Combinações que ainda me sinto insegura. Roupas que troco instantes antes de sair de casa. Como disse antes, tudo é construção. Tudo é processo.