08. eu estou aqui
preciso, sim, me definir como artista, mesmo quando acho muito bobo usar essa palavra
O ano é 2017, ano de vestibular e todo mundo tem a necessidade de dizer que se quero cursar comunicação ou arte, preciso fazer isso em São Paulo — é a única opção de ter sucesso. Passei e fiquei na minha cidade de origem para estudar na Unicamp a melhor da América Latina, beijos.
O ano é 2019, estou procurando por estágio e todo mundo diz que as oportunidades estão todas na capital, mas meus horários da faculdade não me permitem algo assim. Estagiei em uma produtora que ficava a meia hora da faculdade e depois em um estúdio que funcionava inteiramente de forma remota.
O ano é 2021, acabei de me formar e todo mundo pergunta o que vou fazer agora e porque ainda não me mudei para São Paulo, já que quero trabalhar com arte e cultura.
Me entenda, eu não tenho nada contra a cidade — exceto o preço do aluguel, a falta de segurança, as enchentes e o preço da passagem de ônibus. Na verdade, sempre que consigo, gosto visitar os museus de lá e vivo mandando currículo para alguns lugares da cidade. E caso surja a oportunidade de morar e trabalhar por lá, eu vou.
No entanto, não é porque eu não estou lá que eu não estou pesquisando, produzindo e criando a minha arte. Toda vez que alguém comenta que “se você quer essa área de artes, precisa estar em São Paulo, é lá que tudo acontece”. Sim, muita coisa acontece, mas eu já fiz muita coisa acontecer aqui onde eu estou.
Estudar no Instituto de Artes da Unicamp me colocou em contato com artistas dos mais variados lugares — alguns até saíram da capital para estudar aqui. Dizer que a arte só acontece em um lugar é apagar a trajetória de centenas de artistas que não estão nesse lugar — isso que estou fazendo um recorte pessoal da relação de uma cidade do interior do estado e a sua capital. Quantos artistas, no país inteiro, são invisibilizados pela sua localização?
Essa semana, tive a experiência de listar absolutamente TUDO que já fiz como artista. Foi uma experiência divertida, que mexeu com muitas coisas dentro de mim — a terapia tá em dia graças a Deus — e que me fez que preciso, sim, me definir como artista, mesmo quando acho muito bobo usar essa palavra.
Na minha constante síndrome da impostora, estava certa que tinha feito só umas coisinhas, que tô só brincando de ser fotógrafa, que me chamam pra trabalhar porque não tinham mais ninguém.
Porém, nessa busca, “descobri” que já participei de 3 festivais e 4 mostras fotográficas — ou seja, o meu trabalho CIRCULOU por aí. Já fui contratada para cobrir 8 espetáculos de dança e participei de 4 produções audiovisuais — pode não parecer muito, mas o espaço que ocupa no HD é enorme. Já compartilhei do meu processo em 3 eventos — alguém quis parar para ouvir o que tenho a dizer, é isso mesmo? E já criei 3 projetos inteiramente meus, do começo ao fim — sabe o que é ter uma ideiazinha na cabeça, transpor e desenvolver para o papel e, de fato, colocar no mundo pros outros verem?
Esses números não existem para me vangloriar, e sim para me lembrar que eu estou aqui, produzindo e criando. Eu estou aqui contando histórias e me conectando com pessoas. Eu estou aqui pesquisando e praticando a minha técnica, a minha linguagem e o meu olhar. Eu estou aqui sendo artista. Aqui e agora.
Não sei como você está, se tá tudo do jeito que você planejou, se você se acomodou, se você está buscando pelo novo ou se você desistiu. Eu sou uma mistura de todos esses estados, muitas vezes isso oscila na mesma semana.
Fazer esse exercício de listar TUDO (é tudo mesmo, depois você decide se vale colocar no currículo ou não) me deu uma luz e me animou. Pode ser que te ajude também. Por isso, fica o convite, separa um tempinho da tua semana, abre o HD, pesquisa no Drive — achei muita coisa jogando algumas palavras-chave na busca do e-mail, foi ótimo. Nem precisa fazer que nem eu fiz, de mostrar para outras pessoas, pode escrever no cantinho do caderno mesmo.
E espero que você consiga se encontrar de novo.
Ah, e por favor, vá conhecer os artista da sua cidade!
Uhuuuuuuuuuu! Fiz isso essa semana, e olha a crise de impostora, reclamando e reclamando, mal terminei a faculdade e tem 3 paginas de coisas que já fiz.... A gente fala mal da gente, e não é nem pelas nossas costas, é na cara mesmo! Mas o lance todo é que fazer essa lista dá um tapa na nossa cara (não literalmente, mas no sentido da figura de linguagem) e fala: ei, acorda, você está "em processo", faz parte, e você já fez bastante coisa, se acalma, tenta, levanta, vai, respira, não se auto-critique tanto. Aaaah, como o nosso ego mata a gente tentando falar que só somos artistas se somos reconhecidas, ou famosas ou num livro de arte... balela... Obrigada pela sinceridade, como sempre.