Começo a escrever dizendo que cometi o primeiro erro da criatividade — esperar o momento certo de começar a criar. Não, isso não vai ser uma conversa de gurus de “o momento é agora” e suas variantes — tão contagiantes e assustadoras quanto as do Covid.
Vamos voltar algumas casas e pensar. Desde o princípio dessas newsletter, defendo que a criatividade não é algo mágico, exclusivo para os escolhidos e que acontece de forma natural. Por um tempo, realmente acreditei que era isso mesmo. Essa visão é assustadora, porque nos dias em que não consigo focar, criar ou, no mínimo, começar, é como se esse superpoder tivesse se esgotado.
Criatividade é muito mais sobre disciplina, sobre todos os dias sentar a bunda na cadeira e tentar. A Julia Cameron propõe o exercício das páginas matinais (the morning pages) no livro O Caminho do Artista — que estou relendo nesse momento. O exercício é apenas escrever três páginas por dia, logo de manhã, antes de começar o dia, antes de levantar da cama — honestamente não sei nem o meu nome nesse momento, então fica para depois do banho.
Ela insiste na ideia de serem três páginas todos os dias, mesmo que você não tenha o que dizer. A título de sinceridade e transparência, mais de uma vez eu escrevi “não tenho nada de interessante hoje” por três páginas. Ou então, “preciso lavar calcinha, mas preciso lembrar de colocar o varal pra dentro porque tá com previsão de chuva, ontem comecei a assistir Gilmore Girls de novo”.
Essa simples tarefa de escrever todos os dias é a explicação mais simples sobre o que é criatividade. Tem dias que você não quer, tem dias que não vai sair nada de bom, tem dias que você encara a página em branco por 15 minutos. Mas, como não é possível prever qual desses dias você terá, a disciplina é essencial. Porque terá dias em que você vai conseguir escrever — e vai começar a entender mais o seu próprio processo, ou então vai ver a leveza de uma manhã, ou pode surgir até os inícios de uma ideia de projeto.
Lembrar da importância dessa disciplina é tão importante quanto a mesma. Eu, mais uma vez, cometi o erro de ficar mais de duas semanas sem abrir um editor de texto, sem pegar numa caneta, sem olhar para o material de pintura, sem ao menos fazer uma pesquisa no pinterest, porque não achei que nada poderia sair de bom. E o segundo erro é esperar que tudo que eu vá fazer será bom.
Comecei a escrever esse texto na biblioteca da Unicamp — minha casinha — e parei porque não gostei. Mais de 24 horas depois, ainda não gosto tanto assim, mas não escrever me dá mais desgosto. Por isso, nesse fim de tarde, com a gata dormindo do meu lado e um pouco de dor nas costas depois de trabalhar o dia todo, tento terminar.
Minha atual frustração é não estar fazendo as coisas que eu queria estar fazendo — lendo alguns dos muitos livros da minha estante, assistindo filmes do Oscar, pintando com as tintas novas que ganhei, escrevendo nos cadernos bonitos que comprei, visitando as cafeterias que tenho salvas no Maps, elaborando um novo projeto de fotografia, pesquisando programas de mestrado. Não faço nada disso porque estou com medo que não fique bom. E se não vai ficar bom, qual o ponto de fazer?
O ponto é, apenas fazer, apenas pegar num lápis, pincel, escrever umas palavras na busca do Google, abrir uma página. Apenas tentar. Hoje, amanhã e depois. Apenas tentar de novo e de novo e de novo.
Assim, termino esse texto me dando uma pequena bronca. Termino te perguntando o que você precisa tentar? Termino com o caderno de escrita e o de pintura me encarando. E já confesso que não sei quando vou abri-los. Mas que vou tentar.
Enquanto escrevia, duas músicas vieram ao meu encontro no aleatório do meu Spotify. Eu diria que foi profético — se você acredita. Ou apenas coincidência — se você também acredita.
Recomeçar — Paulo Nazareth
Que bom dizer: eu não sei, é leve
Admitir que errei, releve
Perdi você, o presente do tempo de agora
Sei que a vida é feita de recomeçar
Pra que a gente possa então continuar
Não se leve tão a sério E como diz aquele verso
Tente outra vez (Tente outra vez)
Move On — Sunday In The Park With George
Move on...
Stop worrying where you're going
Move on If you can know where you're going
You've goneJust keep moving on
(...)
Stop worrying it your vision
Is new
Let others make that decision
They usually do
You keep moving on
Espero que você tente. Prometo tentar daqui.
Até breve!
ps: essa edição não teve nenhum imagem ilustrativa porque eu não consigo fotografar há semanas, então, fica aqui imagens da primeira aula de desenho, há quase um ano
Obrigada mais uma vez por me dar coragem em recomeçar o livro da Julia Cameron. Me sinto contemplada por todas as falas, os trabalhos, os projetos, os cafés e a lista de faculdades de mestrado. Quanta pressão a gente coloca o tempo todo. A última foto encerra a discussão, ela é um lembrete de que criar é mais simples, mas criar algo bom (nos nossos parâmetros do que é bom ou não, claro) requer tempo, disciplina e estudo (não atoa 6 anos de faculdade para ainda nos perguntarmos por onde começar).... Um abraço