Quem não é visto não é lembrando.
Quantas vezes você ouviu isso enquanto passeava distraído pelo feed? Quantas vezes ouviu isso ao longo desse ano que todo mundo marcou o seu pedaço de terra na internet? Com a falta do espaço público, comum e cheio de gente, procuramos o refúgio e a conexão pelas redes sociais, através das telas que ficam nas nossas mesas de trabalho e na palma da nossa mão durante as pausas da rotina. Em uma mistura de "quero jogar meu celular pela janela" e "olha só que legal essa pessoa que mora em outro estado e que fala sobre os assuntos que eu gosto", estamos no momento em que todos precisam produzir conteúdo para terem seu nome reconhecido e dinheiro na conta.
Já não basta ser artista-pesquisadora-criadora-produtora-educadora, ainda preciso criar 3 posts em formato de carrossel, postar 10 stories ao longo do dia, bombar nos vídeos de 15 segundos e falar "curte, comenta, compartilha e salva pra ver depois". E a pergunta que me vem no momento que coloco a cabeça no travesseiro é: até que ponto eu preciso ser vista o tempo todo? Vi que isso aí é chamado de tiktorização das profissões, vale a leitura desse post.
Nesse um ano, revistando trabalhos e conhecendo meu processo, me coloquei o questionamento de: a lógica, o tempo e o ritmo das redes são adequados para a minha criação? Acredito que esse é o tipo de pergunta que a resposta é: depende. Quando começo algo novo, existe um questionário que preciso preencher antes de pôr a mão na massa.
- quem é o público?
- como vai ser o formato?
- qual o prazo?
- o que eu quero conseguir?
Em algum momento dessas reflexões, consigo determinar o lugar das redes sociais no projeto — e não o lugar do projeto nas redes sociais. Ao ter essa resposta, consigo ter paz no coração de saber que as redes não são onde eu preciso investir meu tempo, minha energia e minha sanidade, e posso deixar a produção de conteúdo de lado, por ora — afinal, sempre chega o momento da divulgação.
Ao entender que, na minha realidade dos meus processos criativos, produzir conteúdo não garante minhas contas, as coisas passaram a ficar um pouco mais leves do lado de cá. Quando questionamentos externos chegam — você não posta muito, você devia fazer uns posts ensinando fotografia, você podia fazer uma live, você já pensou em gravar vídeos, você devia, você devia, você devia — eu consigo simplesmente sorrir, acenar e seguir em frente.
Recentemente, decidi mudar minhas relações com as redes a partir de duas ações: falei que não iria mais postar e desinstalei o aplicativo. Explico. A rede que mais uso para divulgar meu trabalho é o Instagram — Facebook nem vejo direito, Twitter é para comentar das séries que assisto e Linkedin nem é gente. Então, toda a minha ansiedade com redes sociais era causada pelo Instagram. Depois de muito tentar, decidir parar de insistir naquilo que só me deixava mal. spoiler esse é assunto da próxima conversa
Além de ficar mal, também me via perdendo muito tempo ali, vendo os mesmos vídeos, ouvindo as mesmas dublagens e vendo stories de gente que nem converso. E, muitas vezes, é preciso cortar o mal pela raiz. Entrei na minha conta profissional e falei que não ia mais postar ali, quem quisesse ver o meu trabalho, era só acessar meu site, meu Behance, me mandar um e-mail. Quem quisesse ver um projeto novo que estava nascendo (essa newsletter e o podcast) era só me seguir no perfil pessoal que ia ""divulgar"" por lá. Apaguei o aplicativo do celular. E assim tentei seguir.
Consegui aproveitar mais o meu tempo? Me tornei uma pessoa mais produtiva? Melhorei o meu sono? Fui espiritualmente elevada? Não. Na verdade, vivo entre instalar e apagar o aplicativo porque trabalho como social media. Ainda assisto alguns vídeos, mas quando vejo que já passou 30 minutos, jogo o celular pro canto e vou embora. Inventei outros jeitos de procrastinar.
Mas, não ter o Instagram na minha lista de tarefas é ÓTIMO!!! Encarar essa rede de uma forma amadora era o que eu precisava para continuar criando. Para encontrar novas formas de criar. Isso está dando certo por enquanto, pode ser que daqui seis meses eu esteja super produzindo para redes sociais. Ou posso trocar o celular por um Nokia tijolão e me afastar da civilização. Me comunicar apenas por cartas. No momento, meu sonho era ser plena tal qual o Jonathan Groff.
Mas, lá no começo desse e-mail, falei que não tinha nenhuma conclusão para esse assunto. Existe um lado, também, de criar projetos que existam nas plataformas digitais. Encontrei, em partes, esse lugar quando estava criando a videodança "Do lado de cá", em 2020. O primeiro momento de exposição do trabalho aconteceu pelo Vimeo e as pessoas foram assistir porque eu estava compartilhando o processo de criação, ao compartilhar alguns trechos ao longo do tempo e também ao contar a história de como tudo estava sendo feito.
Decidi experimentar esse compartilhamento de criação depois de ler o "Mostre seu trabalho" do Austin Kleon, que foi, para mim, uma abordagem mais amigável de como pensar esse lugar do digital nos meus projetos. Passei o ano de 2020 mostrando cada etapa de um projeto, o que gostava de fazer para resolver determinados problemas, os bastidores de uma fotografia. Foi uma experiência muito legal, que eu gostava do que estava fazendo naquele momento.
É uma leitura rápida, divertida e que me fez pensar postagens como os extras dos DVDs, com cenas dos bastidores. O que mais gostei desse livro é como ele não te incentiva a lidar com algoritmos, mas sim compartilhar o que acontece ao seu redor enquanto você cria — as referências que te alimentam, os erros que você fez, o que deu certo mas que você ainda tá em dúvida se vai ser assim mesmo. Kleon propõem um ritmo que faz você e quem te vê entenderem que o processo é algo contínuo e que obra de arte é resultado de um longo (LONGO) trabalho artístico.
O livro ainda argumenta que o processo de registro e documentação é ótimo para que você consiga ver como está progredindo, o quanto já foi feito e até lembrar de algo que já ficou pra trás porque você mudou de ideia. Hoje eu olho para essa leitura e vejo o quanto ela me afetou, permitindo-me entender mais de como faço o que faço e até me guiando para o momento de escrita dessa news.
Olhar para trás é bom.
Ano passado assisti Little Fires Everywhere, que está disponível no Prime Video, e minhas cenas favoritas eram da Mia (interpretada pela incrível Kerry Washigton) fotografando, pintando, colando e moldando. Voltei as cenas várias vezes e fiquei mais feliz ainda quando li o livro — Pequenos Incêndios por Toda Parte, da Celeste Ng — que tem um capítulo inteiro sobre o processo criativo da Mia.
Estou fazendo aulas de desenho desde o começo do ano com a Rafaela Bermond e tem sido essencial para eu descobrir novos caminhos para criar, ou apenas aliviar a tensão de ser brasileira em 2021. A Rafa é uma artista que lida com diferentes formatos — pinturas de telas, de paredes, fotografia digital e analógica, performances, videomaker, educadora, ou seja, tem muitos trabalhos incríveis para você conhecer.
Duas pessoas incríveis que sabem usar muito bem o espaço digital pra você seguir AGORA: a Ayumi Hanada, do Fluxo em Redes, e a Ná Beserra, do Projeto NAB. Ambas produzem conteúdo sobre dança, produção cultural, projetos independentes e também criam arte para as plataformas digitais.
Temos episódio novo do podcast e conversei justamente com a Ayumi e a Ná sobre as trajetórias delas em serem artistas do digital, como elas pensam esse lugar, como é criar um espetáculo que aconteceu pelo Zoom (sim e digo com todas as letras que foi incrível). Vem ouvir essas mulheres incríveis.
Aproveita que aqui a gente não depende de algoritmo e vem com calma nos comentários me contar como você lida com as redes sociais — ou se não lida, é válido também!
Um beijo e até daqui duas semanas!
Lido mal com as redes sociais, também já apaguei e baixei elas inumeras vezes. Não sei dizer se fez MUITA diferença na minha rotina, sem redes sociais acabo vendo mais series e vídeos no youtube, ainda procrastinações que gostaria de evitar. Mas, acho q normalmente melhora minha ansiedade.